segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Equivalência

O silêncio alastrava-se pela mata, e o breu tomava conta de tudo. O vento balançava as folhas mais altas das arvores, enquanto os animais vagavam rapidamente até suas tocas. 
Os passos podiam ser ouvidos agora, e vinham de uma parte da floresta, de onde os animais fugiam alvoroçados.

– Vamos, traga esse índio logo, seu imprestável! – gritou um dos sujeitos, que trazia em suas mãos uma grande espingarda.
O outro, que também trazia uma arma na mão, apontava-a para um sujeito que, obrigatoriamente, avançava na frente do primeiro homem, que apontava para certa direção, entre gritos.
Este sujeito era o índio, que cambaleando, andava esforçando-se para aguentar as muitas feridas pelo corpo inteiro, que sangravam impiedosamente.
– Vamos, mostre-me onde dormem as muitas onças, nesta maldita selva desagradável! – ordenou o primeiro homem. O índio permaneceu calado, cabisbaixo.
Então, o segundo homem cutucou o índio com a ponta da espingarda, fazendo-o gritar de dor.
– Vai ter que matar-me, antes! – sussurrou o índio, com o que havia aprendido de português.
O primeiro homem murmurou um “tsc tsc”, estralando o pescoço dos dois lados. Erguendo a palma da mão, fez o outro homem e o índio pararem de súbito. Virou-se lentamente, contornando o índio para encarara-lo de frente. Ergueu sua arma, apontando para a cabeça do indígena.
– Já que insiste... – e ao dizer isto, o dedo apertou o gatilho da arma e a bala atravessou o crânio do índio, fazendo-o cair de costas no chão frio.
O barulho do disparo ecoou pela mata, e o vento respondeu com sussurros inaudíveis. O segundo sujeito permaneceu estático vendo o corpo no chão, inteiramente sujo de sangue.
– Vamos, temos muito caminho pra fazer ainda! – resmungou o primeiro. O outro, no entanto, negou com a cabeça.
Ao fazer isso, despertou a fúria no outro homem.
– Covarde! Vais embora, que eu trabalho sozinho, e assim hei de ficar com toda a riqueza do couro destes imprestáveis animais! – gritou o sujeito, lançando-se novamente à mata fechada.
Enquanto trajava seu novo caminho para caças as desejadas onças, deixando seu parceiro sem olhar para trás, ele percebeu no chão algumas pegadas humanas na terra. Atrás de si, pode ouvir um grito alto e medonho. Seus pelos da nuca eriçaram-se, mas, destemido, buscou voltar para onde ele tinha vindo. Percebia que enquanto voltava achava várias pegadas pelo chão, que indicava uma caminhada na direção que ele havia tomado antes. Mas não eram suas pegadas, ele usava botas largas, as pegadas, aparentemente não.
Permanecia curioso até deparar-se com a seguinte cena: seu ex-companheiro permanecia deitado ao chão, arfando. Sobre sua barriga havia um grande corte na horizontal, onde era possível ver o interior de seu estômago e seu sangue quente que jorrava. Ao aproximar-se, percebeu que o companheiro murmurava algo:
– Olhos de Fogo... olhos de... Fogo! – e com seu último grito, suspirou, fechou os olhos e morreu.
O primeiro sujeito, e único vivo agora, olhou para os lados, à procura do autor do crime, não por vingança, mas para auto proteção.
Ouviu passos atrás de si, virou-se, nada viu. Por três vezes isso ocorrera. Ele sabia que nãoestava sozinho, e estava agora, preocupado. Porém, não sentia remorso do índio. Riu por um momento, e ao virar-se novamente, percebeu pegadas que registravam-se para a direção esquerda. Ao virar-se então para a esquerda, ouviu um assovio muito alto. Virou-se de súbito novamente, e lá estava.
Em meio à arvores e as sombras do escuro, haviam dois globos oculares completamente vermelhos como fogo, suspensos no ar, que encaravam-no. Neste momento, um medo profundo invadiu-lhe, e ele cambaleou para trás.
No escuro, ele pode ver uma sequência de dentes verdes afiados que sorriam medonhamente.
– Um pelo outro, estamos quites com a natureza... – sussurrou a criatura, com uma voz cavernosa, causando novamente pânico ao caçador.
A criatura deu um passo à frente. Do seu pé até o tornozelo eram virados para trás, numa estrutura bizarra e desagradável aos olhos. Seu corpo era prolongado, suas mãos compridas, sua face medonha e malévola. Os cabelos eram sujos e desgrenhados, quase vermelhos,  incitando a insanidade explícita, assim como os olhos vermelhos e os dentes verdes, que formavam aquele sorriso psicótico. Oh! Por Deus, eu ainda posso lembrar-me daquele sorriso próprio do Diabo!
Embalado, balançava-se nas pernas contrárias.
Aterrorizado, o homem apertou o gatilho. A criatura moveu-se.
Um tiro. Um grito. E não fora o Curupira.
Só digo-lhe. Não agrida as florestas, ele pode estar em todas elas, e é ele quem te observa.
Felizmente, eu sou uma arvore.


Folclore, talvez uma história horripilante...
Bons sonhos... 
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