O silêncio alastrava-se pela mata, e o breu
tomava conta de tudo. O vento balançava as folhas mais altas das arvores,
enquanto os animais vagavam rapidamente até suas tocas.
Os passos podiam ser ouvidos agora, e vinham
de uma parte da floresta, de onde os animais fugiam alvoroçados.
– Vamos, traga esse índio logo, seu
imprestável! – gritou um dos sujeitos, que trazia em suas mãos uma grande
espingarda.
O outro, que também trazia uma arma na mão,
apontava-a para um sujeito que, obrigatoriamente, avançava na frente do
primeiro homem, que apontava para certa direção, entre gritos.
Este sujeito era o índio, que cambaleando,
andava esforçando-se para aguentar as muitas feridas pelo corpo inteiro, que
sangravam impiedosamente.
– Vamos, mostre-me onde dormem as muitas
onças, nesta maldita selva desagradável! – ordenou o primeiro homem. O índio
permaneceu calado, cabisbaixo.
Então, o segundo homem cutucou o índio com a
ponta da espingarda, fazendo-o gritar de dor.
– Vai ter que matar-me, antes! – sussurrou o
índio, com o que havia aprendido de português.
O primeiro homem murmurou um “tsc tsc”,
estralando o pescoço dos dois lados. Erguendo a palma da mão, fez o outro homem
e o índio pararem de súbito. Virou-se lentamente, contornando o índio para encarara-lo
de frente. Ergueu sua arma, apontando para a cabeça do indígena.
– Já que insiste... – e ao dizer isto, o dedo
apertou o gatilho da arma e a bala atravessou o crânio do índio, fazendo-o cair
de costas no chão frio.
O barulho do disparo ecoou pela mata, e o
vento respondeu com sussurros inaudíveis. O segundo sujeito permaneceu estático
vendo o corpo no chão, inteiramente sujo de sangue.
– Vamos, temos muito caminho pra fazer ainda!
– resmungou o primeiro. O outro, no entanto, negou com a cabeça.
Ao fazer isso, despertou a fúria no outro
homem.
– Covarde! Vais embora, que eu trabalho
sozinho, e assim hei de ficar com toda a riqueza do couro destes imprestáveis
animais! – gritou o sujeito, lançando-se novamente à mata fechada.
Enquanto trajava seu novo caminho para caças
as desejadas onças, deixando seu parceiro sem olhar para trás, ele percebeu no
chão algumas pegadas humanas na terra. Atrás de si, pode ouvir um grito alto e
medonho. Seus pelos da nuca eriçaram-se, mas, destemido, buscou voltar para onde
ele tinha vindo. Percebia que enquanto voltava achava várias pegadas pelo chão,
que indicava uma caminhada na direção que ele havia tomado antes. Mas não eram
suas pegadas, ele usava botas largas, as pegadas, aparentemente não.
Permanecia curioso até deparar-se com a
seguinte cena: seu ex-companheiro permanecia deitado ao chão, arfando. Sobre
sua barriga havia um grande corte na horizontal, onde era possível ver o
interior de seu estômago e seu sangue quente que jorrava. Ao aproximar-se,
percebeu que o companheiro murmurava algo:
– Olhos de Fogo... olhos de... Fogo! – e com
seu último grito, suspirou, fechou os olhos e morreu.
O primeiro sujeito, e único vivo agora, olhou
para os lados, à procura do autor do crime, não por vingança, mas para auto
proteção.
Ouviu passos atrás de si, virou-se, nada viu.
Por três vezes isso ocorrera. Ele sabia que nãoestava sozinho, e estava agora,
preocupado. Porém, não sentia remorso do índio. Riu por um momento, e ao
virar-se novamente, percebeu pegadas que registravam-se para a direção
esquerda. Ao virar-se então para a esquerda, ouviu um assovio muito alto.
Virou-se de súbito novamente, e lá estava.
Em meio à arvores e as sombras do escuro,
haviam dois globos oculares completamente vermelhos como fogo, suspensos no ar,
que encaravam-no. Neste momento, um medo profundo invadiu-lhe, e ele cambaleou
para trás.
No escuro, ele pode ver uma sequência de
dentes verdes afiados que sorriam medonhamente.
– Um pelo outro, estamos quites com a
natureza... – sussurrou a criatura, com uma voz cavernosa, causando novamente
pânico ao caçador.
A criatura deu um passo à frente. Do seu pé
até o tornozelo eram virados para trás, numa estrutura bizarra e desagradável
aos olhos. Seu corpo era prolongado, suas mãos compridas, sua face medonha e
malévola. Os cabelos eram sujos e desgrenhados, quase vermelhos, incitando a insanidade explícita, assim como
os olhos vermelhos e os dentes verdes, que formavam aquele sorriso psicótico.
Oh! Por Deus, eu ainda posso lembrar-me daquele sorriso próprio do Diabo!
Embalado, balançava-se nas pernas contrárias.
Aterrorizado, o homem apertou o gatilho. A
criatura moveu-se.
Um tiro. Um grito. E não fora o Curupira.
Só digo-lhe. Não agrida as florestas, ele
pode estar em todas elas, e é ele quem te observa.
Felizmente, eu sou uma arvore.
Folclore, talvez uma história horripilante...
Bons sonhos...

Nenhum comentário:
Postar um comentário